Carta de Março de 2025
- Felipe Picanço
- 14 de abr.
- 6 min de leitura
Atualizado: 15 de abr.
Caro leitor,
O mês de março de 2025 vem marcado pelos desdobramentos de acordos comerciais que os EUA vêm impondo, pelas incertezas dessas imposições e pelas possíveis mudanças nas ordens geopolíticas.
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, tivemos notícias importantes que impactaram nos rendimentos dos títulos públicos americanos e nos ativos de risco. A começar, Trump afirmou, quando perguntado em entrevista se o adiamento das tarifas sobre o Canadá e México seriam uma forma de responder à volatilidade do mercado, no início do mês, que não está olhando para o mercado e que sempre haverá uma queda de curto prazo nos preços. Alguns dias depois Trump anunciou o aumento das tarifas sobre metais do Canadá em 50%, e claro, os ativos de riscos sofreram forte desvalorização, confirmando sua frase, de que de fato ele não está ligando para os tremores de curto prazo, já que em seu ideal, ele está realizando uma defesa pró Estados Unidos. Sabemos até então que esse assunto é um antigo incômodo, onde os EUA é colocado como deficitário nas relações comerciais com outros países, que historicamente cobra uma tarifa média efetiva inferior a 3%, e que agora quer cobrar acima de 20%, como forma de defesa institucional.
O sobe e desce nos preços dos ativos, a conhecida volatilidade, vêm de um momento em que todos na economia estão tentando entender como cada ato do novo governo americano pode implicar no dia a dia de seus países, sua balanças comerciais, na forma que consomem e o quanto consome, o que é um grande direcionador. Enquanto estivermos vivenciando um período onde não há como ter certeza dos resultados que virão de todas as medidas implementadas, e vivenciarmos o desconhecido, haverá redução ou até mesmo paralisação econômica - ninguém faz nada até saber o que está ocorrendo. Imagine que você é um grande empreendedor, produtor ou executivo neste momento, correndo o risco de que uma canetada governamental possa varrer os retornos esperados de seu negócio, seria péssimo, não? Assim tem funcionando parte do mercado, que reduz investimentos, reduz projeções de retornos, de lucro real, e consequentemente, os investidores, que não estão a toa nesse tsunami de informação, reconsideram toda a sua tomada de decisão, que no ambiente de incertezas, muitas vezes, significa tirar o dinheiro de jogo. Alguns índices de confiança dos consumidores caíram acentuadamente em fevereiro e março, enquanto as empresas, sem saber o que será de fato implementado , acumulam estoques e pagam mais caro por produtos intermediários, que já sentem o impacto das tarifas.
Nesse momento, diante dos boatos de recessão devido a possível redução da atividade, é preciso ficar atento aos dados de mercado como o crescimento da economia, os dados de emprego e o nível de preços. Se os EUA apresentarem desaceleração, não necessariamente significa que estão em recessão, mas o olhar precisa ser de uma atenção muito maior. O trabalho do banco central americano (FED) será muito mais desafiador, já que a inflação continua alta e conforme o crescimento se torna menos previsível, a forma de atuar mediante a política monetária, também muda. As medidas tarifárias já estão dificultando o trabalho do FED, que precisa observar a meta de inflação e também a desaceleração do PIB e mercado de trabalho.
Por enquanto, o FED, que se reuniu na quarta-feira (19/03), decidiu manter o Fed Funds em 4,5%, mantendo cautela e o compromisso com o cumprimento da meta de inflação mesmo que a atenção também esteja sendo desviada pela desaceleração da economia. Em um cenário à frente, a sinalização de política monetária seguiu a mesma, com dois cortes sendo esperados pela maior parte dos membros do FED, já que o considerado ‘juros neutros’ é de 3%.
Em resumo, o índice do medo, o VIX, que mede a volatilidade esperada do mercado de ações dos EUA, subiu 13,5%. As bolsas, aqui representadas pela NASDAQ e S&P500, caíram em dólar, respectivamente, -8% e -5%.
Europa
Na Europa, o Banco Central Europeu (BCE) reduziu a taxa de juros em 0,25%, conforme vem sendo esperado, considerando que a trajetória no bloco europeu é de desinflação. Além disso, a atividade econômica segue fraca, justificando a redução das projeções de crescimento do PIB para 2025, 2026 e 2027, o que também justifica reduzir a restrição monetária. A presidente do BCE, Christine Lagarde, disse que a luta contra a inflação é uma batalha diária, mas que o BCE está próximo da meta de 2%.
A Alemanha, um dos países com mais força no momento, teve preços desacelerando em março, e essa queda na taxa de inflação anualizada reforça a possibilidade dos cortes de juros pelo Banco Central Europeu (BCE) também em abril. O ponto de atenção para o bloco ficará com as questões fiscais, pois caso haja de fato uma mudança na estrutura geopolítica, onde os gastos com defesa na União Europeia aumentariam, a estrutura fiscal do bloco também mudaria, e a definição de prioridades de gastos precisariam ser refeitas.
Para a União Europeia, há cálculos e projeções que indicam um impacto de aproximadamente 0,5% a 0,8% a menos no PIB, considerando todas as imposições tarifárias dos EUA. É importante ressaltar que esses cálculos consideram apenas a ótica do que é feito dos EUA para a UE, e não considera possíveis represálias, que poderiam aumentar ainda mais os impactos.
China
Já na região asiática, entende-se que será provavelmente a região mais afetada, dado seu grau de abertura comercial e a imposição de tarifas mais altas pelos EUA. Muitas análises macros de casas independentes vêm projetando queda no PIB chinês, na casa de 1%, e outras economias asiáticas com impacto ainda maiores.
A economia chinesa até chegou a apresentar desempenho favorável no início de 2025, com a produção industrial crescendo 5,9% no acumulado dos dois primeiros meses do ano e as vendas no varejo, com alta de 4,0%. Apesar dos sinais mais positivos no consumo e na produção, há desafios pela frente para cumprir a meta de crescimento de 5% deste ano, que deve ser garantida pela política econômica mais expansionista, já que o “plano de ação especial” do governo inclui aumentos salariais razoáveis, facilitação de empréstimos ao consumidor e aumento da emissão de títulos do Tesouro.
Brasil
O cenário doméstico segue tendo como principais focos a trajetória da dívida pública, os dados de inflação e a necessidade de juros elevados para contê-la. Os dados fiscais do governo central vêm sendo acompanhados de perto pelos investidores, tendo eles a visão de que o país precisa cumprir as metas do arcabouço fiscal, analisadas através dos dados de superávit ou déficit primário de cada janela de resultados, além do indicador de dívida/PIB. Como esses números não vêm apresentando resultados positivos, que indiquem o fim da asfixia fiscal e monetária, os juros futuros, que são um termômetro de confiança dos investidores e o preço do dinheiro ao longo do tempo, continuam em níveis bem acima da média.
A inflação também não vem apresentando resultados que tragam otimismo, já que os dados iniciais de 2025 e a média móvel de 12 meses também se apresentam acima do teto da meta de inflação do Banco Central, que deveria ser de no máximo 4,5% ao ano. A inflação continuou pressionada em março, com o IPCA-15 em 0,64% no mês, tendo como principal contribuição o setor de Alimentação (1,09%) e Transportes (0,92%). Apesar da taxa básica de juros da economia estar elevada, ainda não se mostrou suficiente para conter o avanço do consumo, que perdeu velocidade, mas ainda está em crescimento. A desancoragem entre os dados divulgados e os dados esperados é o que vem determinando parte do humor do mercado.
Com relação ao crescimento do país, medido pelo PIB, o crescimento pela ótica da demanda mostrou uma queda de 1% no consumo das famílias, que foi o principal motor de crescimento da economia em 2024, e sua queda corrobora a tendência de desaceleração já mencionada.
Já sobre o ciclo de juro, o Banco Central, conforme amplamente esperado, elevou a taxa SELIC em 1%, para 14,25% a.a, indicando um ajuste de menor magnitude para a próxima reunião. O patamar de inflação atual ainda é incômodo, com o Boletim Focus mostrando projeção de IPCA acima da meta para os próximos dois anos (FOCUS: 2025 (5,65%); 2026 (4,50%) e 2027 (4,0%). Por isso, para os encontros subsequentes, a previsão ficou em novas elevações dos juros.
Assim, fechamos março com a Bolsa brasileira (Ibovespa) com alta de 6%, o IDIV, índice de dividendos, com alta de 5,52%, o IMA-B com alta de 1,84%, e os títulos públicos de 2 anos (NTN-B-2027) com valorização de 0,77% enquanto os títulos de 10 anos (NTN-B-2035) valorizaram 3,18%.
Até a próxima,
Felipe Picanço, CGA

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