Carta de Maio de 2025
- Felipe Picanço
- 11 de jun.
- 6 min de leitura
Caro leitor,
EUA
Há um certo estudante norte-americano que, historicamente, costuma ser visto como o melhor aluno de sua sala de aula: aquele que entrega os deveres da semana, chega à casa e ainda estuda mais um pouco, é bem-visto pelos professores e inspetores e tira notas altas.
Há, no entanto, um cenário diferente se consolidando agora para esse estudante, já que, no ano de 2025, ele tem sido avaliado um pouco diferente pelos conselhos de classe, e suas notas já não mais as mesmas. Os professores começam a levantar dúvidas sobre a sua capacidade de manter as notas dos últimos anos letivos, e seu desempenho começa a ficar sob maior observação. A forma como se comporta nos corredores do colégio vira alvo constante dos inspetores, e seus pais começam a interrogá-lo em casa.
Assim, em partes e resumidamente, poderia ser contada a história dos Estados Unidos se fosse um aluno. Como não o é, há alguns fatores nos últimos seis meses que vêm fazendo o status do “excepcionalismo americano” levantar dúvidas. O excepcionalismo americano é a ideia de que os Estados Unidos são um país único ou "excepcional" em comparação com outros países. Essa crença vem de fatores históricos, políticos e econômicos que, segundo seus defensores, tornam os EUA diferentes e até superiores em aspectos como ser o emissor do dólar, seu posicionamento na cadeia comercial global, seu aparato tecnológico e também o militar.
Em maio, os títulos do Tesouro americano, conhecidos como ‘Treasuries’, perderam o status de “AAA”, uma nota bem alta dada para aqueles alunos que cumprem todas as suas obrigações e enchem as professoras de expectativas. Agora tem a nota “Aa1”: uma nota menor em seu boletim para mostrar ao mundo.
Essa redução da nota vem em um momento em que o aumento da dívida, dos juros e a preocupação crescente com o aumento da relação dívida/PIB estão nos holofotes mundiais. É isso também que mostram os contratos de credit default swaps (CDS), cujos dados são um dos indicadores usados para medir o risco de inadimplência de um país e passaram a ser negociados no mercado com valores semelhantes aos de países com rating ‘BBB+’, como Itália e Grécia. Esse movimento sinaliza que o mercado já enxerga risco nos ativos norte-americanos e que o aluno nota 10 já está sendo comparado ao aluno nota 6 ou 7.
Além disso, a curva de juros das Treasuries continua precificando o risco de inflação no longo prazo, especialmente diante das incertezas fiscais e da política tarifária. Os rendimentos dos títulos subiram significativamente: os Treasuries de 2 anos passaram de 3,60% para 3,90% ao ano, enquanto os de 10 anos saltaram de 4,17% para 4,42% ao ano. E por aqui já sabemos: taxas em elevação, preços em queda. E a nota do aluno? Cai mais um pouco.
Parte da pressão atual veio da tramitação no Congresso do projeto conhecido como “One Big Beautiful Bill”, que prevê a extensão dos cortes de impostos implementados em 2017 e novas reduções tributárias. Como contrapartida parcial, o projeto revoga incentivos à energia limpa estabelecidos pelo Inflation Reduction Act. No entanto, estima-se que o impacto dessa proposta sobre o déficit público será limitado, mantendo o desequilíbrio fiscal entre 6% e 7% do PIB pelos próximos anos.
A dívida/PIB dos EUA já é 56 pontos percentuais superior à dos países que ainda possuem rating AAA e essa diferença pode subir nos próximos cinco anos . Esse quadro levou a Moody’s, última das três grandes agências de rating, a não só manter a nota máxima, mas também a rebaixar a classificação dos EUA. Ou seja, no conselho de classe, o aluno foi avaliado negativamente tanto no seu resultado quanto no seu processo para chegar a esse resultado.
No lado macroeconômico, mais uma prévia do PIB 1º trimestre de 2025 apontou queda na variação anualizada, refletindo um ambiente de elevada incerteza. Ainda assim, o mercado de trabalho permanece aquecido, e a inflação segue acima de 2%. Diante disso, o Fed (Banco Central Americano) adotou uma postura mais cautelosa, optando por manter os juros no patamar atual (4,25%-4,5%) e sinalizando que cortes só devem ocorrer a partir de setembro.
Adicionalmente, o ambiente político e jurídico adicionou ruídos à política comercial. Em maio, o Tribunal de Comércio Internacional dos EUA decidiu que Trump não tinha autoridade legal para impor tarifas comerciais com base na Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA). A decisão foi contestada e, temporariamente, revertida por uma corte de apelação, o que mantém as tarifas em vigor até novo julgamento – provavelmente na Suprema Corte. Esse ambiente tem elevado a incerteza sobre o rumo das relações comerciais.
Apesar do ambiente fiscal preocupante, a bolsa americana teve forte desempenho, com o S&P 500 subindo 6,15% no mês e ficando apenas 4% abaixo de sua máxima histórica; no ano, sobe 0,51%. A Nasdaq, famosa por abrigar muitas empresas de tecnologia, subiu 9,56%; no ano, cai -1,02%.
Europa
Na Europa, o cenário segue marcado por baixo crescimento e inflação próxima à meta, o que deve permitir que o Banco Central Europeu (BCE) continue com o ciclo de cortes de juros. Os dados mais recentes do índice de preços ao consumidor (CPI) de maio reforçam esta leitura: o índice cheio subiu 1,9% em 12 meses, e o núcleo, 2,3%, a menor alta desde o fim da pandemia.
Essa dinâmica favorável da inflação abre espaço para uma política monetária mais estimulativa, em um continente que ainda sofre para retomar uma trajetória de crescimento mais robusta.
China
A economia chinesa também segue em desaceleração. A meta de crescimento de 5% para 2025 dificilmente será alcançada, pois as projeções apontam para uma expansão em torno de 4,5% - mesmo com estímulos fiscais e monetários adicionais.
O principal fator de risco vem da continuidade da guerra tarifária com os EUA, que tende a frear o comércio internacional e impactar negativamente o crescimento chinês. A política comercial americana, particularmente com as medidas impulsionadas por Trump, tem gerado incertezas e afetado as decisões de investimento e produção no país asiático.
Brasil
No Brasil, os dados do PIB do 1º trimestre de 2025 surpreenderam positivamente, com crescimento de 1,4% frente ao trimestre anterior e de 2,9% em relação ao mesmo período de 2024. O consumo das famílias avançou 1%, e a expectativa é que o crédito consignado privado continue contribuindo para esse desempenho.
O cenário de inflação também melhorou na margem, com destaque para a desaceleração dos preços de alimentos. A melhora nas safras, junto ao recuo das commodities no exterior, colaboraram para esse alívio. Ainda assim, a composição da inflação preocupa: os preços de serviços seguem pressionados, as expectativas permanecem desancoradas, e o hiato do produto ainda está positivo, ou seja, a economia opera acima do seu potencial. O IPCA, principal índice de inflação, acumula +2,75% no ano.
É possível que o Banco Central realize um último ajuste de 0,25% na taxa Selic em junho, encerrando o ciclo de alta em 15,00%. Contudo, a possibilidade de uma pausa já nesta reunião, mantendo a Selic em 14,75%, não está descartada. O início do corte de juros, por sua vez, deve ocorrer apenas entre o 1º e o 2º trimestre de 2026.
Do lado fiscal, a elevação do IOF sobre operações financeiras gerou repercussões negativas. A medida, associada a um bloqueio orçamentário de R$ 31 bilhões em despesas discricionárias, expôs as dificuldades do governo em equilibrar as contas públicas. O uso do IOF como instrumento de arrecadação – sem necessidade de aprovação do Congresso – sinaliza um esgotamento das ferramentas tradicionais para sustentar o arcabouço fiscal.
Apesar disso, a bolsa brasileira teve boa performance, com o Ibovespa subindo 1,45% no mês e acumulando alta de 13,91% no ano. O índice chegou a renovar a máxima anual, ultrapassando os 140 mil pontos, impulsionado pelo fluxo estrangeiro. O movimento de realocação de risco global, motivado pela perda de credibilidade dos EUA e pela maior busca por emergentes, continua beneficiando o Brasil. Em maio, investidores estrangeiros aportaram mais de R$ 12 bilhões na bolsa brasileira, enquanto os institucionais retiraram cerca de R$ 9 bilhões.
No mercado de renda fixa, os títulos NTN-Bs de longo prazo apresentaram forte fechamento de taxas, já que o vértice de 2035 (10 anos) rendeu +2,23%, sinalizando maior interesse dos investidores por prazos mais longos. Na parte de curto prazo dos juros, para 2028, os preços subiram 0,43%. Os ativos de renda variável e híbridos apresentaram desempenho positivo, com destaque para o IMA-B (+1,70%), seguido pelo Ibovespa (+1,45%) e IFIX (+1,44%). O CDI, como referência de renda fixa pós-fixada, teve retorno de 1,14%, superando a inflação do período (IPCA: 0,26%). No acumulado do ano (YTD), o Ibovespa lidera com +13,92%, impulsionado pelo desempenho de ações locais, seguido por IDIV (+11,75%) e IFIX (+11,09%), indicando boa performance de dividendos e fundos imobiliários até o momento.
Até a próxima,
Felipe Picanço, CGA


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