Carta de Junho de 2025
- Felipe Picanço
- 8 de jul.
- 7 min de leitura
Caro leitor,
Aparentemente junho foi um mês mais tranquilo em informações e resultados, e não identifiquei algo muito turbulento que viesse justificar mudanças no ciclo que estamos vivendo. Apesar dos noticiários de guerra, a “resolução” do conflito entre Israel e Irã veio tão rápida quanto seu início, permitindo até que pegássemos um café e ficássemos apenas observando os desdobramentos desse pequeno corte temporal chamado Junho de 2025.
Entendo que o cenário que se desenha ainda não permite afirmar qual tipo de alocação será mais otimizada, pois, olhando pelo retrovisor, ninguém diria que a Bolsa ia subir 15% em 6 meses nem que o nível de volatilidade nos EUA seria tamanho, ao ponto de passar por janeiro e fevereiro ‘de lado’, em março em queda e em recuperação desde abril. Uma pessoa que espera estar sempre certa dos movimentos exatos que precisa fazer teria saído de posições no exterior achando que o ciclo de curto prazo seria de caos extremo; no entanto, ela teria resgatado, e o mercado se recuperado, tendo perdido dinheiro.
Não dá para acertar o movimento do início ao fim sempre. Precisamos internalizar esse pensamento para ficarmos em paz e sabermos que a gestão que fazemos de nosso patrimônio não é para dobrar ou triplicar em apostas táticas, e sim, para fazer alocações estratégicas, nas quais queremos ver nosso dinheiro render acima da inflação e acima do custo de oportunidade.
É preciso ter calma e pensar de acordo com nosso perfil de risco, nossa capacidade de aporte e nossos planos-alvo de aposentadoria.
EUA
Nos Estados Unidos, os termômetros que medem a atividade da economia têm mostrado uma desaceleração da atividade econômica, que pode ser um efeito das altas taxas de juros, sob a ótica americana, e da redução do estímulo fiscal. Alguns indicadores já vêm mostrando uma desaceleração, como o consumo privado, que deve crescer em média 1,1% no 1º semestre de 2025, sendo que o mesmo indicador cresceu 2,8% no mesmo período em 2024. É bem provável que o FED, o Banco Central americano, esteja acomodando as taxas a 4,25% a 4,50% devido ao aumento da incerteza gerada por uma política tarifária pouco amigável e por uma política migratória mais restritiva.
Nesse âmbito de política migratória e de mercado de trabalho, é bem possível que a relação ‘ação e reação’ seja sentida nos dados de emprego dos EUA, que deve ter o crescimento da força de trabalho reduzido. Na leitura de mercado que fiz durante o mês, concluí que a principal avaliação de economistas é que essa redução na oferta de trabalho e uma demanda ainda robusta mantêm o mercado de trabalho mais apertado do que o normal.
Com relação à inflação, as tarifas impostas ainda não se refletiram de forma significativa nos preços quando avaliamos os dados dos cinco primeiros meses do ano. O impacto real deve começar a ser sentido nas próximas leituras de inflação com os dados de junho, julho e agosto, que serão cruciais para averiguar o impacto e determinar a resposta do Federal Reserve.
O Federal Reserve, para mim, é o maestro da orquestra econômica. A ferramenta Fedwatch me ajuda a entender o que o mercado espera de suas futuras notas. Com a expectativa de um mercado de trabalho que deve começar a cansar, há a previsão de que o FED irá "abaixar o tom" dos juros a partir de setembro. A taxa neutra, que o FED considera ser de 3% ao ano, é como o volume perfeito para que a música da economia toque sem distorções. Hoje estamos acima dela, de 4,25% a 4,50% ao ano, o que dá margem para o maestro reduzir a intensidade gradualmente.
No gráfico abaixo, vemos que a probabilidade de redução de juros para 4,00% a 4,25% na reunião de setembro é de 70,65%, a de que ela se mantenha em outubro é de 67,35% e, em dezembro, vá a 3,50% a 3,75%, com uma probabilidade de 98,5%. Vamos ver no que dá.

O mercado de ações, especialmente o S&P 500, tem sido uma verdadeira montanha-russa. Após um susto em abril com as tarifas, como uma queda brusca, a rápida reversão da política comercial trouxe um alívio que impulsionou uma recuperação notável, mostrando a resiliência dos investidores. O índice, em dólar, fechou o mês com 4,96% de valorização e 5,50% de retorno no ano. Curiosamente, em junho, o VIX, o "índice do medo", mal se moveu mesmo com a tensão no Oriente Médio, como se o mercado visse aquele conflito como um temporal localizado, sem ameaçar o navio global.
Europa
Na Europa, o que tem se apresentado como maior ponto de atenção é a expectativa de aumento dos gastos com defesa, liderado principalmente pela Alemanha. Esse movimento, como comentado em cartas anteriores, vem ganhando tração desde que o novo governo americano começou a pressionar os países da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a aumentar os seus gastos para 5% do PIB, ao passo que grande parte já endereça, em média, 2% do PIB. Esse aumento de gastos pode atuar como um estímulo fiscal para a indústria e o emprego.
O Banco Central Europeu (BCE) deve manter a taxa de juros inalterada por um período maior, aguardando a consolidação da recuperação econômica e a convergência da inflação para a meta.
O MSCI Europe, índice que representa empresas de médio e grande porte em 15 países de mercados desenvolvidos na Europa, apresentou bom desempenho, com 1,96% de valorização mensal e 20,67% no ano.
China
A economia chinesa iniciou 2025 com robustez, registrando um crescimento do PIB de 5,4% no primeiro trimestre, alinhando-se à sua meta anual de 5%. Esse desempenho, impulsionado pela demanda interna e pela recuperação do setor imobiliário, mostra a resiliência do país. Em resposta, o Banco do Povo da China tem implementado políticas monetárias expansionistas, com cortes nas taxas de juros de referência e estímulo ao crédito, visando sustentar a atividade, já que o ambiente de guerra tarifária com os EUA permanece um desafio, criando projeções de crescimento abaixo dos 5% esperados.
Brasil
Aqui no Brasil começo a enxergar uma boa probabilidade de estarmos no fim da escalada dos juros e da inflação. É como se tivéssemos chegado ao pico das possibilidades e estivéssemos começando a preparar a descida, mesmo que segurando no freio. O problema é que por aqui tudo muda em minutos.
O Banco Central, com a Selic em 15% ao ano, o maior patamar desde 2006, agiu para controlar a inflação. Tudo indica que esse foi o último clique no botão de alta, e o ciclo de cortes deve começar lá em 2026, quando a inflação estiver mais próxima da meta. No entanto, a curva de juros me mostra que o mercado ainda precifica uma Selic média alta para os próximos anos, o que, para mim, é como manter o freio puxado por mais tempo, restringindo o crescimento.
O indicador da inflação antecipada, o IPCA-15, mostrou uma leve alta em junho, de 0,26%. Os vilões dessa alta foram a habitação, principalmente a energia elétrica, com a bandeira vermelha agindo como uma taxa extra na conta de luz, registrando alta de 3,29%, além de saúde (+0,29%) e vestuário (+0,51%). No entanto, tenho notado que a inflação doméstica está, aos poucos, perdendo força. É como se a panela de pressão estivesse começando a esfriar, especialmente nos "núcleos" de inflação, que são o humor mais verdadeiro dos preços, excluindo as oscilações de alimentos e energia. Os juros reais elevados, que agem como um freio de mão puxado na economia, contribuem para esse desaquecimento. Vale dizer que a valorização do real frente ao dólar reduziu pressões sobre produtos importados.
Conforme o gráfico abaixo, desde janeiro, a inflação do título público com vencimento em 2028, a relação entre real e dólar e as projeções de inflação do boletim FOCUS do Banco Central estão em declínio.

Olhando para o nosso PIB, vejo que ele é como um barco à vela: os preços das commodities são o vento que impulsiona ou retém. Uma acomodação nesses preços pode significar um vento menos favorável. Por outro lado, novas modalidades de crédito consignado seriam um motor auxiliar, mas, com juros mais altos, o impacto se torna menos potente. No Relatório de Política Monetária do Banco Central, foi publicado o novo hiato do produto, revisando-o de 0,6% para 0,9%. O hiato do produto mede a diferença entre o PIB efetivo e o PIB potencial de uma economia, indicando se a economia está operando acima (hiato positivo) ou abaixo (hiato negativo) de sua capacidade plena.
Na política fiscal aqui no Brasil, o histórico de dívida e de inflação faz com que os investidores exijam um seguro extra – o prêmio de risco – para aplicar por aqui. Tenho visto o governo enfrentar um verdadeiro cabo de guerra com o Congresso, perdendo algumas batalhas, o que gera incerteza. Embora o mercado reaja rápido a essas notícias, é como um eco que pode sumir tão rápido quanto aparece, e nem sempre o primeiro movimento é o definitivo. Curiosamente, mesmo com nossos desafios fiscais e o "barulho" político, o Brasil tem se destacado, como se, em meio a tempestades globais, nossos problemas fossem relativizados, tornando-nos um porto relativamente seguro.
E o fluxo não mente. O capital estrangeiro tem vindo para o Brasil desde meados de 2024 e está muito forte em 2025. No primeiro semestre de 2024, a retirada de capital estrangeiro foi de 38 bilhões de reais; no segundo semestre de 2024, entrou 14 bilhões de reais; e, em 2025, já entrou quase 27 bilhões de reais.

Para o Ibovespa, o nosso índice da bolsa, o prêmio por risco em níveis atrativos é como um desconto imperdível nas ações. Significa que, mesmo com os riscos, o retorno esperado faz com que comprar ações aqui seja uma proposta interessante. No mês, o IBOV teve valorização de 1,33% e acumula uma alta expressiva de 15,44% no ano. O IDIV (Índice de Dividendos) subiu 1,76% no mês, alcançando 13,71% no YTD e IFIX (Índice de Fundos de Investimento Imobiliário), registrou alta de 0,63% no mês e 11,79% no acumulado do ano.
O dólar comercial seguiu a tendência de baixa, com -5,04% no mês e uma perda de -12,14% no ano.
No mercado de títulos de renda fixa, nas NTN-Bs, percebi um movimento suave de queda nos "cupons" (os juros pagos pelo título). Isso é como se o preço desses empréstimos para o governo estivesse baixando, mas pode ser fato de momento. Analisando títulos específicos, a NTN-B com vencimento em 15/08/2028 obteve um retorno de 0,47% no mês e 7,56% no ano. Contudo, o destaque ficou para a NTN-B com vencimento em 15/05/2035, que demonstrou a força dos títulos de inflação de prazos mais longos, com um ganho expressivo de 1,40% no mês e 10,19% no acumulado do ano. O IMA-B, que representa uma carteira ampla de títulos públicos indexados à inflação (NTN-B), teve um retorno de 1,30% no mês e um acumulado de 8,80% no ano.
Em resumo, vejo um Brasil que, apesar de desafios como a inflação e as tensões políticas, mostra sinais de estabilização inflacionária e atratividade para investidores, navegando em um cenário global complexo. Sigamos atentos aos próximos capítulos.
Até a próxima,
Felipe Picanço, CGA


Comentários